Filmes de Plástico: 15 anos de cinema independente e representatividade
Sentados, da esquerda para direita – Maurilio Martins, Gabriel Martins e André Novais Oliveira / Em pé – Thiago Macêdo Correia (Foto: Letícia Marota)
A produtora mineira Filmes de Plástico está comemorando 15 anos neste mês de abril de 2024. Fundada em Contagem, MG, a empresa é formada pelos cineastas André Novais Oliveira, Gabriel Martins e Maurilio Martins e pelo produtor Thiago Macêdo Correia. Além de produzir curtas e longas desses diretores, ela também assina a produção de obras de outros cineastas. Uma das características mais marcantes da produtora é fazer filmes “no quintal de casa”, isto é, no mesmo espaço, bairro e cidade e com as pessoas que habitam esses lugares. Outra marca registrada das produções da Filme de Plástico é o olhar para questões sociais e temas contemporâneos, especialmente os inerentes à periferia. Além disso, os quatro sócios procuram sempre trabalhar juntos – às vezes, exercendo funções variadas nos filmes uns dos outros.
Para o produtor Thiago Macêdo Correia, a Filmes de Plástico surgiu num momento de transição do audiovisual nacional, marcado especialmente pelo acesso às políticas públicas, das quais eles se “beneficiaram fortemente”, e a exposição dos recursos do Fundo Setorial, o programa Brasil de Todas as Telas e a democratização desse acesso. “Isso ajudou muito a produtora a fazer projetos e se tornar competitiva no cenário, inclusive federal. E também uma adesão tecnológica, que fez com que o cinema se tornasse mais possível para as ‘não elites’ – até então, essas elites eram dominantes. Com o avanço tecnológico e as câmeras digitais, às vezes fotográficas, filmando em 24×4 por segundo, a gente podia pela primeira vez fazer filmes como a gente começou a fazer, no ‘quintal de casa’, explorando nossa criatividade e eventualmente tendo um reconhecimento por isso”, afirmou.
“A Filmes de Plástico, junto de outras produtoras e realizadores, foi de fato muito beneficiada por esses dois momentos que vieram nessa virada dos anos 2000 para 2010. Eu vejo que somos fruto disso e que, hoje, seria difícil criar uma produtora caso não fossem essas circunstâncias. Agora, acho que é mais complicado para um realizador se estabelecer com as políticas colocadas do modo que estão: concentradas em poderes de grandes distribuidoras e produtoras do eixo”, analisou o produtor.
Audiovisual fora do eixo Rio-São Paulo
Correia lembrou que, quando a Filmes de Plástico surgiu, ele e os outros sócios eram estudantes e ouviam que a única possibilidade de trabalharem com cinema seria mudar para São Paulo ou para o Rio de Janeiro, começar uma carreira na publicidade e, talvez, entrar nas grandes produtoras como prestadores de serviço. “Não existia fazer cinema fora do eixo”, resumiu. Hoje em dia, cotas federais e investimentos locais possibilitam que existam frentes de cinema em diversos lugares fora do eixo – o que, para o produtor, é motivo de alegria. “Achamos importante não só pelo que nos beneficia, mas pela multiplicidade e pluralidade dos cinemas que vêm sendo feitos ao redor do País”, enfatizou.
“Obviamente que o eixo Rio-São Paulo, enquanto mercado, será mantido para sempre. Eu entendo que algumas produtoras desse eixo acabam se prejudicando, inclusive no acesso a editais federais, pela associação às empresas maiores. No final das contas, uma empresa pequena de São Paulo concorre com as empresas grandes de São Paulo. São questões que talvez tenham de ser revistas e entendidas na política pública. Mas essa democratização regional é uma resposta histórica. Em geral, o cenário melhorou”, opinou.
“A igualdade de acesso e oportunidade ainda demanda muito estudo, reflexão e participação dos agentes do audiovisual. Só que é muito importante que a gente não perca de vista o entendimento que, mesmo com o ajuste necessário dentro dessas cotas regionais, elas não são o que está efetivamente fazendo outras desigualdades acontecerem”, reforçou o produtor.
Para além de ser uma produtora fora do eixo, a Filmes de Plástico busca sempre colocar luz em questões sociais e urgentes, principalmente das periferias, em seus projetos. Para Correia, fazer filmes que dão espaço para um retrato das comunidades, pessoas, periferias e de uma população que eles conhecem de perto e são parte é algo natural: “É um mundo que rodeia todos nós, e politicamente também achamos importante porque a gente tinha muita dificuldade de ver esse tipo de representação, uma vez que o olhar de fora pode ser romantizado ou exotizante. Ficamos orgulhosos de ver que essa possibilidade de representatividade abriu e continua abrindo caminhos para outros realizadores. É a importância de que as pessoas se vejam na tela e almejem alcançar um espaço que até aquele momento achassem que não poderia pertencer a elas mesmas”.
“Marte Um” (Foto: Divulgação)
Trajetória de projetos
Contando com 25 produções finalizadas em seu catálogo, a Filmes de Plástico assina curtas como “Fantasmas” e “Rua Ataléia”, ambos de André Novais Oliveira; “Dona Sonia pediu uma arma para seu vizinho Alcides”, de Gabriel Martins; e “Quinze” e “Constelações”, de Maurílio Martins. O primeiro longa da produtora foi “Ela Volta na Quinta” (2014), dirigido por Oliveira. O filme foi exibido em quase 50 festivais, em países como França, Canadá, Chile, África do Sul e, claro, Brasil. A trajetória de sucesso do projeto foi a concretização do caminho trilhado pela produtora em seus filmes. Depois, vieram os longas “Aliança” (2014), dirigido por Gabriel Martins, Leonardo Amaral e João Toledo; “Baronesa” (2017), de Juliana Antunes; “Temporada” (2018), de André Novais Oliveira; “No Coração do Mundo” (2019), de Gabriel Martins e Maurilio Martins; e “A Felicidade das Coisas” (2021), dirigido por Thais Fujinaga.
Virada de chave
Mas o verdadeiro marco na carreira da produtora é “Marte Um” (2022), de Gabriel Martins. Lançado em 2022, o filme fez sua estreia mundial no Festival de Sundance (EUA) e carreira em festivais e mostras por todo o mundo, acumulando 38 prêmios, além de ter sido escolhido para representar o Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2023. O longa passou da marca de 100 mil ingressos vendidos – um número expressivo para o cinema brasileiro independente. Atualmente, o título está disponível no Globoplay e Prime Video.
“A carreira de ‘Marte Um’ fez com que muita gente que não conhecia a produtora passasse a conhecer, e muita gente que viu outros filmes nossos isolados passou a associar a obra da produtora em conjunto. Isso trouxe luz e exposição para o nosso trabalho – algo que a gente sempre almejou. A gente faz cinema independente e é sempre um desafio alcançar o público”, celebrou Correia.
O produtor ressaltou ainda que “Marte Um” é um filme que, na teoria, não tem os elementos que mercadologicamente se entenderiam como passíveis de criar uma boa performance em bilheteria, de boca-a-boca, como acabou acontecendo: “Provamos que é possível fazer o cinema que a gente acredita, e isso nos deixou muito felizes. Casos como esse ajudam o próprio mercado a compreender o potencial de narrativas desse tipo de cinema serem bem sucedidas”. Ele ainda mencionou que, hoje, quando eles pensam nos próximos projetos da produtora, há uma confiança maior – “apesar da visão tradicional do mercado talvez propor algo contrário do que nós propomos”.
“O dia que te conheci” (Foto: Divulgação)
Lançamento
No segundo semestre de 2024, a Filmes de Plástico lançará em cinemas a comédia romântica “O dia que te conheci”, de André Novais Oliveira, que conta com Grace Passô e Renato Novaes no elenco. Desde que fez sua estreia mundial no Festival do Rio, em outubro passado, o longa já foi exibido em dez festivais e conquistou cinco prêmios. No Festival do Rio, a obra levou o Prêmio de Melhor Atriz para Grace Passô, além do Prêmio Especial do Júri. Na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi vencedor do Prêmio da Crítica.
Produtora mineira Filmes de Plástico celebra 15 anos fazendo filmes "no quintal de casa"